Eventos extremos de sobreirradiância solar e seus efeitos em projetos fotovoltaicos
Usinas solares no Brasil apresentam desempenho abaixo das expectativas em razão deste tipo de fenômeno


Em diversas regiões do Brasil (e também do mundo), naqueles dias em que o céu azul está rodeado de nuvens claras como mostra a figura 1, ocorre um fenômeno denominado de efeito borda de nuvem. A irradiância direta vinda do sol é refletida, refratada e espalhada pelas nuvens e se soma a ela, levando a valores instantâneos de irradiância na superfície da Terra que frequentemente ultrapassam em até quase 50% o valor da constante solar fora da atmosfera terrestre (onde não há nuvens), de 1361 W/m2.
Eventos dessa natureza têm sido reportados na literatura científica internacional há décadas e, por muito tempo, o seu registro não passava de uma curiosidade científica ou um novo recorde a ser registrado, sem nenhuma consequência prática. No Brasil, poucas vezes se mediu eventos deste tipo, principalmente porque as estações solarimétricas instaladas por aqui registram as médias de irradiância com uma resolução temporal tipicamente em médias de 1 hora, muito abaixo daquela necessária para capturar e registrar estes eventos. Médias de 1 hora na medição da irradiância normalmente amortecem e escondem grande parte dos eventos de sobreirradiância, que na sua maior parte têm uma duração variando entre alguns segundos até alguns poucos minutos.
A tabela 1 compara a distribuição da energia solar num dos locais mais ensolarados da Alemanha, Freiburg (na Floresta Negra) e a capital menos ensolarada do Brasil, Florianópolis. Ali se vê que quando a resolução temporal da medida da radiação solar é de 1 hora, na cidade alemã apenas 9% da energia solar anual aparece na faixa dos 1000W/m2 ou acima, enquanto em Florianópolis, este valor é bastante parecido, 10,7%.
Mas quando se mede a radiação solar com resolução de 1 minuto, a cidade alemã registra 16,5% da energia anual na faixa dos 1000W/m2 ou acima, mas em Florianópolis este valor fica em 23,4%, mais do que o dobro registrado quando a resolução dos dados é horária. Ou seja, a resolução de 1 hora esconde o fato de que uma parcela importante da energia solar anualmente incidindo em Florianópolis está nas altas intensidades (irradiâncias) e isso é causado principalmente por eventos de sobreirradiância causados por bordas de nuvens.
O resultado prático disso é que um gerador solar fotovoltaico dimensionado com fator de carregamento do inversor acima de 1 vai ceifar (o termo que começa a ser utilizado no Brasil é “clipar” – do inglês “clip”) uma boa parte da energia, ou seja, o inversor satura e não é capaz de processar toda a energia solar que está chegando nele para ser convertida em eletricidade útil para a rede. Várias usinas solares de grande porte e muitos dos telhados fotovoltaicos em operação no Brasil estão desempenhando abaixo das expectativas e este é um dos principais motivos.
Em contraste com a experiência acumulada de décadas de instalações fotovoltaicas em climas mais temperados, os efeitos de temperaturas operacionais extremas e níveis extremos de irradiância solar começam a se mostrar um problema, especialmente em usinas de grande porte nas regiões mais ensolaradas do mundo e que só recentemente passaram a adotar a tecnologia solar fotovoltaica em grande escala como no Brasil (e a medir a radiação solar com resoluções temporais elevadas).
Eventos extremos de sobreirradiância solar com duração de dezenas de segundos ou vários minutos estão associados às altas temperaturas medidas em muitos locais onde as usinas fotovoltaicas de grande porte começam a se espalhar. As ferramentas de simulação e dimensionamento de geradores solares fotovoltaicos, como PVsyst® e PVSol® foram desenvolvidas em países de climas mais temperados e onde os eventos de sobreirradiância são mais raros.
Por questões de capacidade computacional e tamanho dos bancos de dados, estes softwares utilizam baixas resoluções temporais para os dados de radiação solar (tipicamente a resolução usada é de 1 hora). Com dados solares em médias de 1 hora, a distribuição das irradiâncias (intervalos de potência radiante solar instantânea) no valor total da irradiação (a energia solar que anualmente incide em um determinado local) pode ser consideravelmente diferente da realidade (quando se mede e registra o dado em intervalos de por exemplo alguns segundos ou até minutos).
O valor total da energia solar anual não muda com a resolução temporal da sua medição, mas a sua distribuição pode mudar completamente. A figura 2 ilustra bem estas diferenças, mostrando para a cidade de Florianópolis-SC qual a distribuição real das irradiâncias ao longo de 15 anos de medições in loco com medições a cada 1 minuto e qual a distribuição de irradiâncias que o software PVsyst® irá utilizar quando se fizer uma simulação para dimensionar um gerador solar fotovoltaico para a mesma cidade utilizando dados na base de 1 hora como aquela ferramenta usa.
Essa diferença de distribuição vai induzir o PVsyst® a dimensionar o gerador fotovoltaico com um inversor com um fator de carregamento maior do que o ideal e quando eventos extremos de sobreirradiância ocorrerem, o inversor não terá condições de processar toda a energia que o gerador fotovoltaico fornece ao inversor e irá “clipar” ou saturar.
A figura 3 mostra dois gráficos superpostos da distribuição das irradiâncias medidas e registradas a cada 1 segundo e a cada 10 minutos ao longo de um dia típico de céus como os mostrados na figura 1 em uma localidade brasileira onde operam usinas fotovoltaicas de grande porte.
A curva azul com os picos alaranjados mostra diversos eventos de sobreirradiância detectados quando se mede a cada 1 segundo, enquanto a curva sombreada alaranjada, na qual se calcularam médias a cada 10 minutos para os mesmos dados, mostra como estes eventos ficam mascarados e amortecidos pelas médias.
O conhecimento deste efeito é importante no dimensionamento de geradores fotovoltaicos no Brasil e em qualquer local onde ocorram muitos eventos de sobreirradiância. A análise dos impactos e as consequências desses eventos tanto no dimensionamento como no desempenho operacional dos geradores fotovoltaicos vem sendo objeto de estudos diversos realizados no Laboratório de Energia Solar Fotovoltaica/UFSC (www.fotovoltaica.ufsc.br) e alguns resultados podem ser encontrados nos artigos listados a seguir:
[1] Solar Energy, Vol. 80, pp. 32-45, 2006 – Elsevier - Inverter sizing of grid-connected photovoltaic systems in the light of local solar resource distribution characteristics and temperature – Bruno Burger & Ricardo Rüther.
[2] Solar Energy, Vol. 186, pp. 370-381, 2019 – Elsevier - Extreme solar overirradiance events: Occurrence and impacts on utility scale photovoltaic power plants in Brazil - Lucas Rafael do Nascimento, Trajano de Souza Viana, Rafael Antunes Campos, Ricardo Rüther.
[3] Solar Energy, Vol. 231, pp. 47-56, 2022 – Elsevier – Evaluating the performance of radiometers for solar overirradiance events – Giuliano L. Martins, Sylvio Mantelli, Ricardo Rüther.
Sobre o autor: Ricardo Ruther é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).

Prof. Dr. Ricardo Rüther
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1988), mestrado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1991), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).
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