Cores do hidrogênio: a competitividade da produção a partir do Sol do Brasil
Saiba qual será o papel do armazenamento de energia em baterias de lítio de segunda vida


Nos últimos tempos muito se tem falado e ouvido sobre o tema “hidrogênio verde”. O hidrogênio (H2) é um gás incolor e inodoro, altamente inflamável e de combustão espontânea ao ar livre, produzindo uma chama também incolor. O hidrogênio é o mais leve dos elementos químicos e tem a estrutura atômica mais simples possível: um único elétron orbitando um núcleo que consiste em um único próton. É de longe o elemento mais abundante no universo, embora não na terra, onde ocorre principalmente combinado com o oxigênio (O2) como água (H2O).
As estrelas, incluindo o Sol, são formadas principalmente por este gás, que pode também assumir os estados líquido e sólido. O hidrogênio tem também um grande conteúdo energético: tem três vezes mais energia do que a gasolina, mas diferentemente dela, é um vetor de energia limpo, uma vez que só libera água na forma de vapor, e não produz dióxido de carbono (CO2). Quando reagido com oxigênio numa reação de combustão, ou em uma célula a combustível para produzir energia elétrica, energia e água são os dois únicos produtos.
Já que na Terra o hidrogênio só existe em combinação com outros elementos, principalmente na água, junto ao oxigênio, e nos hidrocarbonetos (gás natural, carvão e petróleo), em combinação com o carbono, ele precisa ser separado destes outros elementos para ser usado como combustível. Este processo é extremamente energointensivo, utilizando grandes quantidades de energia, que dependendo de sua origem, vai dar a “cor” utilizada na colorida nomenclatura que vem sendo adotada para classificar as diferentes maneiras de obter o hidrogênio.
As diferentes cores atribuídas à forma como o hidrogênio é produzido começam pelo cinza, quando ele é produzido a partir de hidrocarbonetos ou a partir da eletrólise da água quando a fonte de energia elétrica é fóssil (termelétricas a carvão ou a gás natural, por exemplo). A maior produção de hidrogênio cinza está na China, que tem uma matriz energética predominantemente composta por usinas termelétricas a carvão.
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O hidrogênio é denominado de azul quando existe a captura e armazenamento do CO2 resultante dos processos de reforma de hidrocarbonetos ou da produção de energia termelétrica para alimentar a eletrólise de água. Dar ao hidrogênio este tom azul é um truque que disfarça as emissões de metano (CH4) envolvidas no processo e como o metano é um gás de efeito estufa cerca de 21 vezes mais nocivo do que o próprio CO2, existem sérias dúvidas sobre o quanto o hidrogênio azul pode contribuir com a sustentabilidade esperada da tecnologia do hidrogênio.
Outras cores para denominar a origem da energia ou do insumo para produzir o hidrogênio incluem o rosa (quando a fonte primária de energia elétrica é nuclear), o turquesa (no qual um processo chamado pirólise do metano é usado para produzir hidrogênio e carbono sólido, que pode ser armazenado ou utilizado em outros processos), o amarelo (quando se usa especificamente a energia solar para alimentar o processo de eletrólise) e finalmente o verde (quando se usa qualquer fonte renovável de energia na eletrólise, como solar ou eólica).
As tecnologias que permitem o uso do hidrogênio como combustível ou como vetor energético são conhecidas há muitos anos, mas por razões principalmente de custo ele ainda não é utilizado em larga escala.
Com a pressão ambiental por reduzir a emissão dos gases de efeito estufa que estão resultando em mudanças climáticas que podem levar à destruição de nosso planeta, o hidrogênio vem sendo apresentado como um potencial vetor energético que pode contribuir de forma decisiva na transição para uma matriz energética sustentável.
No entanto, atualmente, 99% do hidrogênio usado como combustível é cinza, sendo produzido a partir de hidrocarbonetos e fontes não-renováveis e menos de 0,1% é produzido por meio da eletrólise da água, de acordo com a IEA – International Energy Agency.
O maior obstáculo está relacionado com as grandes quantidades de energia e os custos para produzir um hidrogênio que não envolva a emissão de CO2. Até o presente, gás natural, carvão e os derivados de petróleo vêm sendo usados para gerar essa energia, e dessa maneira a produção de hidrogênio cinza continua a poluir o meio ambiente com CO2.
Mais recentemente, contudo, o hidrogênio verde começou a ser produzido a partir de energias renováveis, como solar e eólica, por meio da eletrólise da água. A eletrólise usa uma corrente elétrica para dividir a água em hidrogênio e oxigênio em um dispositivo chamado eletrolisador. O resultado é o chamado hidrogênio verde, que é 100% sustentável, mas por enquanto ainda muito mais caro de se produzir do que o hidrogênio tradicional.
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Com a redução acentuada dos custos da tecnologia solar fotovoltaica, gerar hidrogênio verde e seus derivados (e.g. amônia, combustíveis sintéticos, etc.) a partir de eletricidade solar passa a ser um tema de grande interesse não somente técnico e científico, mas também econômico, social e ambiental.
A produção de amônia verde pode viabilizar desde a fertilização de áreas pouco férteis do mundo em desenvolvimento, até a sua utilização na propulsão de navios de grande porte que diariamente cruzam os oceanos queimando combustíveis fósseis. A aviação comercial também pode se beneficiar do desenvolvimento de combustíveis sintéticos e renováveis com base no hidrogênio verde e os veículos movidos por células a combustível alimentados por hidrogênio verde produzido com eletricidade solar complementam a grande lista de aplicações da economia do hidrogênio.
Atualmente, quando comparado à produção de hidrogênio cinza a partir de gás natural ou carvão, o hidrogênio verde chega a custar mais do que o dobro, como mostra a figura 1 abaixo.
A produção de hidrogênio verde no Brasil, a partir de energia solar e eólica, vem sendo avaliada como a forma mais barata de produção, com expectativas de que em 2050 o Brasil produza o hidrogênio verde mais barato do mundo, chegando a custar metade do preço pelo qual se produz hoje o hidrogênio cinza, como mostra a figura 2. Muita pesquisa e desenvolvimento precisa ainda acontecer para chegar lá!
A intermitência da geração solar e eólica são limitações que precisam ser contornadas no processo de eletrólise, que depende de um suprimento contínuo e intenso de energia elétrica que não pode ser interrompido pela passagem de nuvens no céu ou pela falta de vento em algum momento do dia.
Para contornar esta intermitência das fontes solar e eólica, o uso das baterias de Li de segunda vida, que irão infestar o mercado mundial nas próximas décadas e que foram apresentadas na série de três artigos anteriores, se apresenta como alternativa que vem sendo avaliada com atenção.
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Voltando à questão das cores do hidrogênio, pode-se resumir todo o espectro utilizado nesta nomenclatura ao verde e ao cinza. Só é verde e sustentável o hidrogênio produzido a partir da eletrólise da água e que utiliza uma fonte renovável para fornecer a energia elétrica para este processo.
Todas as outras tecnologias (e cores) utilizadas para produzir hidrogênio que envolvem a emissão de gases de efeito estufa devem ser agrupadas na cor cinza. A associação do Sol brasileiro com o uso de baterias de segunda vida descartadas da mobilidade elétrica pode contribuir de forma expressiva para a competitividade do hidrogênio verde brasileiro.
Sobre o autor: Ricardo Ruther é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).

Prof. Dr. Ricardo Rüther
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1988), mestrado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1991), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).
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