A revolução das baterias - Parte I
Como as baterias de lítio descartadas dos veículos elétricos podem ser utilizadas em sistemas de acumulação de energia estacionários, associados com a geração solar


Faz um pouco mais de dez anos que a indústria automobilística lançou em grande escala no mercado os veículos elétricos puros (também chamados de plug-in) movidos 100% a baterias e carregados diretamente em uma tomada elétrica ou um carregador rápido. O modelo mais comercializado (lançado em 2017) vendeu mais de 800 mil unidades; do segundo modelo mais vendido (lançado em 2010) já foram para as ruas mais de 500 mil unidades e, do terceiro modelo mais vendido (lançado em 2013), 200 mil unidades foram vendidas.
As baterias destes carros elétricos, normalmente de íons de lítio de diversas composições químicas, são ainda uma limitação para a adoção em grande escala desta tecnologia. Os motivos incluem o seu ainda alto custo (de longe, são o componente mais caro de um carro elétrico), grande peso (aumentam o peso de um carro em cerca de 30 a 50% em relação ao modelo equivalente movido a gasolina), baixa autonomia (está aumentando ano a ano, mas a distância percorrida entre abastecimentos ainda é tipicamente menos da metade da autonomia do equivalente a gasolina) e carência de uma rede mais densa de postos de recarga rápidos em vias e rodovias públicas.
A recarga de um veículo elétrico na tomada de uma garagem residencial pode durar uma noite completa se a bateria estiver muito descarregada, ou entre 15 e 30 minutos em um posto de recarga rápida (para até 80% da carga completa). Não é possível ter um carregador rápido na garagem de casa, pois a potência (e a corrente elétrica) demandada normalmente ultrapassa os limites de uma instalação em baixa tensão como a que temos em casa. Além disso, o investimento é muito alto; custa quase o preço do carro elétrico!
Os 10% a 20% finais da recarga de uma bateria de lítio devem sempre ser feitos de forma lenta, para não comprometer a vida útil da bateria. Quem tem um carro elétrico, principalmente os que têm três anos ou mais, é candidato a sofrer de “range ansiety” (“ansiedade de alcance” em tradução livre!), aquela sensação de que “o tanque está na reserva” e que é preciso parar para abastecer logo para não ficar na estrada.
Apesar de os fabricantes indicarem que a bateria de lítio do seu carro elétrico vai durar entre oito e dez anos, quem comprou um carro elétrico faz cinco anos vai perceber que não somente a autonomia foi diminuindo com o passar dos anos, mas também que o modelo mais recente do mesmo carro tem uma autonomia muito maior do que o seu tinha quando foi comprado faz cinco anos. O avanço tecnológico nesta área tem sido grande e um dos modelos mais vendidos viu sua bateria crescer em capacidade de carga de 24,5 kWh em 2011 para 40kWh em 2019 e mais recentemente 62 kWh, no mesmo volume ocupado no assoalho do veículo. São 2,5 X mais capacidade e 3 X mais autonomia (por melhorias na eficiência do veículo) em dez anos.
Na medida em que as baterias de lítio do carro elétrico vão perdendo sua capacidade de reter carga elétrica, diminuindo cada vez mais a autonomia do carro que já era menor do que desejável, elas devem ser substituídas, sendo descartadas para o uso em mobilidade elétrica. Isto acontece normalmente quando a capacidade de retenção de carga chega a cerca de 80% da capacidade original. E o que acontece quando estas baterias chegam ao final de sua vida útil no carro elétrico? Elas podem ser reutilizadas em aplicações estacionárias, no que se denomina de uso em “segunda vida”.
As características elétricas destas baterias ainda são excelentes para uma aplicação estacionária; elas somente tiveram sua capacidade de carga “encolhida”; são maiores do que seria uma bateria nova de mesma capacidade de carga, o que em uma aplicação estacionária pode não ser de grande importância. O uso de baterias de lítio de segunda vida, descartadas de carros elétricos e reutilizadas em aplicações estacionárias, é um novo e grande campo de pesquisa e aplicação de sistemas de armazenamento associados com a geração solar fotovoltaica e será em um futuro próximo um grande mercado.
O laboratório Fotovoltaica/UFSC vem desde 2018 pesquisando o uso em segunda vida das baterias de lítio descartadas de carros elétricos e está testando o seu uso em diversas aplicações, que serão apresentadas na Parte II deste artigo. As quantidades de baterias de segunda vida que começarão a estar disponíveis no mercado a partir dos próximos cinco anos serão muito maiores do que a demanda por sistemas de acumulação de energia e elas irão entrar no mercado da geração solar distribuída de forma muito competitiva.
Para se ter uma ideia, das baterias de lítio descartadas de um veículo elétrico se pode construir baterias de segunda vida para até cinco casas com telhado solar que desejem reduzir sua dependência da rede elétrica pública. Este assunto, reduzir a dependência da rede elétrica pública com o uso de baterias de lítio de segunda vida e fugir da ameaça de ter reduzida a compensação pela energia solar injetada na rede como está sendo discutido na revisão da Resolução 482/2012 da ANEEL, será o foco da Parte III deste artigo.
As figuras abaixo ilustram como as baterias de lítio descartadas de um carro elétrico vêm sendo reconfiguradas para utilização em aplicações estacionárias. No Salão do Automóvel de 2018 o Laboratório Fotovoltaica/UFSC construiu um sistema de baterias de segunda vida para alimentar a área VIP do estande do fabricante de automóveis Nissan. A expectativa do uso em segunda vida é de cinco a dez anos adicionais ao uso inicial (primeira vida) no carro elétrico, dependendo da aplicação estacionária à qual estas baterias forem submetidas.
Além do reaproveitamento e ampliação da vida útil destas baterias, o uso em segunda vida promove um resgate ambiental ao postergar o descarte ou reciclagem destas baterias. Nas Partes II e III deste artigo iremos mostrar mais aplicações em desenvolvimento para as baterias de segunda vida e como elas irão revolucionar o mercado da geração solar distribuída, foco de grande atenção e atualidade com a expectativa de revisão da RN 482/2012 e do PL 5.829/2019.

Prof. Dr. Ricardo Rüther
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1988), mestrado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1991), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).
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