Tecnologias fotovoltaicas de silício e a situação atual do mercado mundial
Preços dispararam em 2021, devido ao aumento do custo dos insumos, ao racionamento da eletricidade na China e à redução da produção


Depois do elemento químico oxigênio (O), o silício (Si) é o segundo elemento mais abundante na superfície da Terra (>25%). O Si é o material semicondutor mais utilizado em todas as aplicações da eletrônica, do chip no seu computador e celular até o módulo solar fotovoltaico no seu telhado.
Na natureza o Si não ocorre de maneira pura, mas principalmente combinado com o oxigênio, no dióxido de silício (SiO2). Separar o Si do O requer um tanto de tecnologia e muita energia, para deixar o Si tão puro quanto necessário para fazer uma célula solar ou um chip de computador.
Ao longo das últimas duas décadas, quando a demanda de Si para células solares ultrapassou a demanda de Si para chips, grandes investimentos foram feitos para a produção em grande escala de Si de alta pureza, lâminas (wafers) de Si e células solares fotovoltaicas, bem como na produção de módulos solares fotovoltaicos a partir do Si.
Na década de 1990, os EUA eram o líder global. O ano de 1997 foi o primeiro ano em que a produção anual global ultrapassou a marca de 100 MWp, e os Estados Unidos tiveram uma participação de 42%. Depois de quebrar a marca de 100 MWp, os fabricantes começaram a apontar as economias de escala que a capacidade de fabricação de 100 MWp traria.
Naquela época, a fabricação de módulos e células solares nos Estados Unidos era principalmente apoiada por empresas de petróleo ou energia como Arco, Shell, BP e até mesmo Enron. Em 1999, impulsionado pelo forte incentivo a um programa de telhados residenciais no Japão, a manufatura mudou para aquele país.
Fabricação de módulos atingiu 1 GWp em 2000 e deve atingir 1 TWp em 2022
No ano 2000 comemorou-se a marca de 1 GWp acumulado de fabricação de módulos fotovoltaicos (em 2022 iremos ultrapassar a marca de 1 TWp de produção fotovoltaica acumulada no mundo). Então, em 2007, impulsionados pelo mercado criado pelos mecanismos de “feed-in tariffs” e pelos incentivos de fabricação do governo, os fabricantes na Europa, principalmente na Alemanha, assumiram a liderança.
A aceleração da demanda por instalações fotovoltaicas na Europa - incluindo a nova aplicação em usinas centralizadas de alguns MWp - sobrecarregou o fornecimento de Si disponível para a indústria fotovoltaica.
Como resultado, os preços de Si, wafers, células e módulos aumentaram significativamente, aumentando os custos e as margens para fabricantes e compradores e em 2008 faltaram módulos no mercado internacional. No Brasil ainda se passariam quatro anos até que a ANEEL publicasse a RN 482/2012 dando início ao uso desta tecnologia em maior escala no país.
Em 2009, tendo investido fortemente em capacidade de fabricação, os fabricantes da China entraram no mercado com uma estratégia de preços agressiva que baixou os preços em 42% em um ano. Os fabricantes de outros países não podiam competir com as margens baixas que os fabricantes chineses estavam dispostos a aceitar e, portanto, um após o outro, eles faliram.
Os fabricantes na China puderam tirar proveito de empréstimos governamentais, concessões, terrenos gratuitos ou subsidiados, baixos custos de energia e baixos custos de mão de obra para dominar a produção global de 2011 até os dias atuais.
As figuras a seguir, reproduzidas com permissão da SPV Market Research (https://www.spvmarketresearch.com/), mostram a evolução dos preços de módulos fotovoltaicos no mercado internacional desde 2005 e a evolução da produção destes módulos desde 2007.
Em um mundo perfeito, os países com demanda por instalações solares teriam fabricação suficiente para atender a essa demanda. Não existem mundos perfeitos. Os compradores querem produtos mais baratos e, portanto, a fabricação migra para áreas de custo mais baixo com maiores incentivos.
Os desenvolvedores de projetos, integradores, distribuidores e consumidores finais, observando os preços decrescentes e assumindo que isso representa um progresso, esperam contínuas reduções de preços. Infelizmente, as metas de preço e até mesmo de custo baseadas em alvos artificiais estão fadadas ao fracasso. Sim - os custos continuarão a diminuir com o tempo, mas os preços são uma função do mercado.
A Tabela 1, também reproduzida com permissão da SPV Market Research, mostra a fabricação de módulos fotovoltaicos por país ou região de 1997 a 2020.
Os países que desejarem iniciar uma indústria fotovoltaica precisarão de paciência e disposição para apoiar o esforço por anos. Embora as abordagens que impõem taxação a produtos importados sejam comuns, os fabricantes geralmente repassam as tarifas aos compradores, aumentando o custo. Talvez seja hora de uma abordagem de mais incentivos para a utilização de células e módulos produzidos localmente, juntamente com incentivos à fabricação.
A indústria solar mundial tem tido uma má reputação por depender sempre de incentivos. A indústria de energia convencional usa esta estratégia há décadas. Para construir uma cadeia de abastecimento doméstica, os governos podem oferecer para a indústria de energia solar os mesmos incentivos embutidos disponíveis para petróleo, carvão e gás natural, incentivos que estão embutidos na estrutura de energia ao ponto de se tornarem invisíveis para o público com o tempo.
2021 terminará com níveis recordes de capacidade de produção
A indústria fotovoltaica deveria estar em uma situação de excesso de capacidade de produção, desfrutando dos preços mais baixos que acompanham esta situação - mas não está. O ano de 2021 terminará com níveis recordes de capacidade, grande parte da qual está sendo subutilizada devido à crise de energia da China, com racionamento de energia e atrasos no embarque relacionados com a pandemia do coronavirus.
A Figura 3 mostra uma visão geral da situação da indústria do Si. Há capacidade de produção de Si suficiente para produzir 304,3 GWp de células de Si, 60 GWp das quais são Si de alta pureza para células do tipo n.
Os produtores de Si da China anunciaram acréscimos de capacidade significativos para 2022, mas a concretização da nova capacidade depende da resolução da crise de energia do país e dos problemas logísticos que atualmente afetam a indústria. Além disso, o racionamento de energia ordenado pelo governo e as restrições à produção na China estão jogando a indústria em uma situação artificial de oferta limitada, levando, é claro, aos picos de preços que estamos vendo.
A Figura 4 mostra a capacidade de produção fotovoltaica por região e tipo de célula.
Conforme indicado anteriormente, a crise energética da China levou ao racionamento de eletricidade. Como resultado, os fabricantes estão executando cronogramas reduzidos e elevando a sua capacidade ociosa, o que significa que grande parte da capacidade disponível para produzir células está atualmente indisponível. Além disso, a Alfândega dos Estados Unidos limitou o fornecimento de produtos vinculados ao trabalho forçado na metalúrgica de Si Hoshine, sediada em Xinjiang na China.
Faixa de preços do 3° e 4º trimestre variou entre $ 0,25/Wp e $ 0,95/Wp
À medida em que os preços do Si, wafers e células aumentam, os fabricantes estão repassando os custos aos compradores, em alguns casos ignorando as garantias de preço contratadas. Com a oferta concentrada em poucos vendedores e em uma região - eles podem fazer o que quiserem.
Os fabricantes que operaram com margens negativas ou baixas durante anos não desejam absorver custos mais altos, especialmente porque sentem a pressão de ter capacidade ociosa neste momento. Margens pequenas somente são toleráveis com grandes volumes de produção.
Os integradores e desenvolvedores de projeto acostumados com contínuas reduções de preços dos módulos também estão vendo aumentos de preços para outros componentes do sistema e se encontram numa nova posição de absorção de margem. Infelizmente, não se vislumbra qualquer alívio nos preços até 2022.
A Figura 6 mostra preços médios de módulos fotovoltaicos de 2011 até a média estimada para 2021. A faixa de preço do terceiro e do quarto trimestre no mercado internacional variou entre $ 0,25 / Wp e $ 0,95 / Wp!
Conforme ilustrado na Figura 7, os preços do Si dispararam em 2021, apesar da capacidade suficiente e devido ao aumento do custo dos insumos, ao aumento do custo e ao racionamento da eletricidade na China e à redução da produção ordenada pelo governo.
Fabricantes estão aderindo ao racionamento de energia
Em 2021, uma combinação de interrupções na produção de carvão, importações de carvão a preços mais altos e baixa disponibilidade de hidrelétricas devido à seca levou os geradores chineses a racionar eletricidade e impor apagões para preservar a rede. Além disso, as inundações em Shanxi, a maior região produtora de carvão da China, fecharam as minas, agravando a crise.
Dois terços da eletricidade da China vem do carvão e o restante de uma combinação de gás natural e energias renováveis. A China é o maior importador mundial de gás natural. Em outubro, as enchentes em Shanxi, responsável por um quarto do abastecimento do país, levaram à suspensão das operações em 60 minas e interromperam o trabalho em cerca de 400 outras.
As empresas - incluindo fabricantes de Si, wafers, células e módulos - estão, por ordem do governo, reduzindo jornadas de trabalho e aderindo ao racionamento. Enquanto isso, semelhante à crise de energia da Califórnia no início de 2000, o custo do carvão importado e do gás natural disparou, deixando os geradores presos entre o preço regulado pelo governo para os consumidores e o preço determinado pelo mercado.
Os desenvolvedores de projeto e os distribuidores, que já enfrentam preços mais altos para os módulos, além de custos de transporte mais altos e atrasos de embarque, agora podem esperar mais restrições de fornecimento. Para complicar ainda mais as preocupações com a cadeia de suprimentos, um ressurgimento da covid nos centros industriais do Sudeste Asiático no Vietnã, Malásia, Indonésia e Tailândia, levou a paralisações de produção.
Pequim está lidando com a crise de carvão do país ordenando um aumento da capacidade de produção de carvão e uma reabertura de usinas de carvão desativadas. O mundo ainda está lidando com as realidades associadas à pandemia do covid, incluindo paralisações de fabricação e problemas de cadeia de suprimentos.
À medida que os países aumentam as atividades, a demanda por eletricidade atinge o pico, assim como os esforços para reduzir o uso de energia convencional colidem com o aumento do uso de renováveis.
Sobre o autor: Ricardo Ruther é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).

Prof. Dr. Ricardo Rüther
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1988), mestrado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1991), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).
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