Setor elétrico é um Titanic sob o comando de um almirante

Operador Nacional do Sistema informou que é imprescindível a adoção de todas as medidas para garantir o suprimento de energia do País

SETOR ELÉTRICO É UM TITANIC SOB O COMANDO DE UM ALMIRANTE
Foto: Divulgação/MME

O capitão Edward Smith, chefe do Titanic, e o almirante Bento Albuquerque, chefe do Ministério de Minas e Energia (MME), não são apenas companheiros do mar, mas ambos sabem que o navio já colidiu com o iceberg e o naufrágio pode ser inevitável.

Ontem (24/8), a cúpula do setor elétrico brasileiro, representada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), se reuniu mais uma vez, em caráter extraordinário, para avaliar as condições de suprimento energético do Sistema Interligado Nacional (SIN).

A notícia não foi nada animadora. A expressão facial dos participantes fotografados na reunião dá o tom da crise de suprimento de energia elétrica no Brasil.

O Operador Nacional do Sistema (ONS) informou que "predomina a degradação dos cenários observados e prospecções futuras, com relevante piora, fazendo-se imprescindível a adoção de todas as medidas em andamento e propostas [...].

Em outras palavras, vale usar até a última gota dos reservatórios para manter o País iluminado. 

A falta de chuvas regulares criou um cenário em que as afluências verificadas desde setembro de 2020 se configuram como as piores dos últimos 91 anos. O subsistema elétrico Sudeste/Centro-Oeste opera com apenas 23,01% da capacidade máxima de armazenamento, segundo dados do ONS (24/08).

Lembrando que a matriz elétrica é ainda predominantemente hidráulica (62%) e que 70% dos reservatórios hidrelétricos estão localizados no subsistema elétrico Sudeste/Centro-Oeste.

Por ouro lado, desde o início do ano a carga no sistema elétrico nacional mantém uma trajetória de crescimento em relação ao ano anterior, impulsionada pela retomada das atividades econômicas e o abrandamento da pandemia de covid-19.

Térmicas on fire

A elevação da temperatura e o gradual retorno das pessoas aos escritórios também contribuem para aumentar a demanda por energia elétrica.

Consultando o Informativo Preliminar Diário da Operação (IPDO) de segunda-feira (23/8), observa-se que a geração hidrelétrica foi responsável por atender 52,16% do atendimento da carga de 70.723 MW médios daquele dia, incluindo a geração de Itaipu. Cerca de 30% da carga foi atendida pelas usinas termelétricas (gás, óleo, carvão, nuclear e biomassa), com as fontes eólicas e solar fotovoltaica contribuindo com 16,70%.

A situação não é muito diferente ao consultor o boletim de terça-feira (24/8), exceto pelo fato da carga ter aumentado para 73.019 MW médios, com picos que chegaram a mais de 83.000 MW médios no período do fim da tarde.

Para suportar toda essa demanda elétrica, as usinas termelétricas estão operando na base, gerando mais de 20.000 MW médios durante todo o dia, a um custo elevadíssimo. Segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), de janeiro a junho/21 foram gerados encargos da ordem de R$ 7,17 bilhões, mais de 21 vezes superior a despesa gerada no mesmo período do ano passado (R$ 338,7 milhões).

Todo esse custo recaíra sobre a tarifa de energia em 2022. As previsões da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontam para a necessidade de reajuste médio de 16,68% nas tarifas no próximo ano, principalmente por conta da crise hidrológica.

Redução da demanda

Desde outubro de 2020, as instituições responsáveis pelo setor elétrico têm adotado medidas excepcionais para preservar o recurso hidrelétrico. Entre as medidas, estão a utilização máxima dos recursos energéticos disponíveis, como geração térmica e importação de energia da Argentina e Uruguai, ainda que os custos associados sejam elevados.

Adicionalmente, para ampliar a transferência de energia entre regiões, o ONS afrouxou o critério de confiabilidade do sistema de transmissão de energia, passando a adotar o critério de proteção que considera apenas as perdas simples (N-1). Em uma situação normal, o critério de proteção considera perdas duplas de linhas de transmissão (N-2).

Com o critério N-1, uma falha em uma linha pode levar a interrupções do fornecimento de energia, considerando que não há um "backup" para suportar a perda de um sistema.

O governo tem incentivado a antecipação de empreendimentos de geração em construção. A flexibilização da operação das hidrelétricas tem se mostrando bem-sucedida para garantir a devida governabilidade das cascatas hidráulicas, preservar o uso da água e garantir a segurança e continuidade do suprimento de energia elétrica no País. No entanto, novas medidas se mostram necessárias diante de persistência da seca.

O governo colocou em funcionamento um programa de redução incentivada do consumo de energia voltado pra grandes indústrias, com o objetivo de desacelerar o crescimento do consumo de energia.

Adicionalmente, o CMSE decidiu encaminhar à Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG) proposta para criação de Programa de Incentivo à Redução Voluntária do consumo de energia elétrica, aplicável aos consumidores regulados (atendidos pelas concessionárias de distribuição), por meio de incentivo econômico.

A CREG foi instituída por meio da Medida Provisória 1.055/2021, de forma a fortalecer a governança para o enfrentamento da crise hídrica, estabelecendo, assim, a articulação necessária entre os órgãos e entidades responsáveis pelas atividades dependentes dos recursos hídricos.

O Naufrágio

Todos conhecem o trágico fim de Smith. No caso do Titanic, o capitão demorou a compreender a enormidade do desastre que estava prestes a ocorrer. No navio, não havia botes suficientes para todos e a tripulação não estava prepara para uma evacuação de emergência. O capitão não deu nenhuma ordem de evacuação, não organizou a tripulação e negligenciou informações cruciais, algumas vezes dando ordens ambíguas ou impraticáveis. Até mesmo alguns de seus colegas oficiais ficam durante muito tempo sem saber da seriedade da situação.

Assim como Smith, o CMSE reiterou que está assegurada "a garantia do suprimento de energia elétrica em 2021 aos consumidores brasileiros e registrou o compromisso da manutenção da prestação dos serviços, observando também a devida transparência nas decisões indicadas pelo Colegiado."

Agora é torcer para o Almirante não cometer os mesmos erros do Capitão Smith.

A marca lider em energia solar

Calculadora Solar

Economize até 35% na sua conta de luz

simulação

resumo

Digite sua concessionária
Avatar de Wagner Freire

Wagner Freire

Jornalista com Bacharel em Comunicação Social pela FMU e pós-graduado em Finanças. Especialista com mais de 10 anos de experiência na cobertura do mercado de energia elétrica, tendo trabalhado no Estadão, CanalEnergia, Jornal da Energia, Revista GTD e DCI.

Artigos que podem te interessar

A MURALHA REGULATÓRIA QUE PROTEGE O SOL: COMO A ABNT E O CONFAZ BLINDAM O SETOR FOTOVOLTAICO CONTRA O CASUALISMO FISCAL
Política

A Muralha Regulatória que Protege o Sol: Como a ABNT e o CONFAZ Blindam o Setor Fotovoltaico contra o Casualismo Fiscal

O Brasil vive um paradoxo solar. Enquanto o país celebra recordes de instalação de energia fotovoltaica, impulsionado por uma matriz energética que se orgulha de sua crescente sustentabilidade, uma sombra de instabilidade jurídica

08/12/20253 min de leitura

PLP 182/2025: A TEMPESTADE TRIBUTÁRIA QUE PODE AFOGAR A ENERGIA SOLAR BRASILEIRA
Política

PLP 182/2025: A tempestade tributária que pode afogar a energia solar brasileira

O governo federal está revivendo uma proposta que há 20 anos causou uma das maiores revoltas do setor produtivo brasileiro. O PLP 182/2025 traz de volta o espírito da famigerada MP 232 de 2004, conhecida como "tsunami tributário".

28/11/202510 min de leitura

A LEI 15.269 E O GOSTO AMARGO DA INSEGURANÇA JURÍDICA
Política

A Lei 15.269 e o gosto amargo da insegurança jurídica

A sanção da Lei nº 15.269/2025, originada da Medida Provisória 1.304, deveria ser um momento de celebração para o setor elétrico brasileiro. E, em muitos aspectos, ela representa um avanço inegável.

26/11/20254 min de leitura

REFORMA-DO-SETOR-ELETRICO-E-SANCIONADA-E-CONVERTIDA-NA-LEI-15.269-2025
Política

Reforma do setor elétrico é sancionada e convertida na Lei 15.269/2025

Texto final da MP 1.304 incluiu abertura do mercado livre e regulamentação do armazenamento de energia; ressarcimento por cortes de geração foi vetado

25/11/20256 min de leitura

ACORDO-FINAL-DA-COP30-OMITE-MENCAO-A-COMBUSTIVEIS-FOSSEIS
Política

Acordo final da COP30 omite menção a combustíveis fósseis

Conferência teve como principal resultado compromisso de mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano para ações climáticas

24/11/20252 min de leitura

SEGURANÇA JURÍDICA NA GERAÇÃO DISTRIBUÍDA: A ANÁLISE DA MOTIVAÇÃO NO DESMEMBRAMENTO DE USINAS
Política

Segurança jurídica na geração distribuída: a análise da motivação no desmembramento de usinas

Decisões subjetivas das distribuidoras sobre divisão de usinas criam insegurança jurídica e prejudicam investimentos em energia.

18/11/20257 min de leitura

VETOS-A-MP-1.304-PODEM-COMPROMETER-INVESTIMENTOS-EM-RENOVAVEIS-NO-BRASIL
Política

Vetos à MP 1.304 podem comprometer investimentos em renováveis no Brasil

Absolar alerta que retirar a possibilidade de compensação às usinas afetadas por cortes de geração reduzirá atratividade de grandes projetos no país

17/11/20253 min de leitura

MP-1.304-ENTENDA-COMO-SERA-A-ABERTURA-DO-MERCADO-LIVRE-DE-ENERGIA
Política

MP 1.304: entenda como será a abertura do mercado livre de energia

Aprovada pelo Congresso, reforma do setor elétrico permitirá adesão de todos os consumidores do país ao Ambiente de Contratação Livre (ACL)

12/11/20252 min de leitura