O Paradoxo Energético Brasileiro: Abundância Renovável, Desperdício Crescente

O Brasil está em uma encruzilhada energética. De um lado, celebramos a expansão recorde de fontes renováveis, como a solar e a eólica. Do outro, nos deparamos com um problema crescente e bilionário: o desperdício de energia limpa.

O PARADOXO ENERGÉTICO BRASILEIRO: ABUNDÂNCIA RENOVÁVEL, DESPERDÍCIO CRESCENTE
Solan Group

 Este paradoxo, conhecido no setor como curtailment, ameaça a sustentabilidade da nossa transição energética e exige uma ação imediata e estratégica.

O curtailment ocorre quando a geração de energia renovável excede a capacidade da rede de transmissão ou a demanda do sistema, forçando os operadores a "desligar" usinas e, literalmente, jogar fora a energia que poderia ser gerada. Segundo a consultoria Wood Mackenzie, este problema pode triplicar no Brasil até 2035, saltando de uma taxa média de 2% para 8% no Sistema Interligado Nacional (SIN). No Nordeste, principal polo de geração renovável do país, o cenário é ainda mais alarmante, com projeções de 11% de curtailment médio.

Os dados mais recentes pintam um quadro preocupante. Em agosto de 2025, o equivalente a 20% da energia disponível em usinas solares foi cortado, contra 12% no mesmo mês de 2024. Na média de janeiro a agosto de 2025, 13,7% da disponibilidade foi cortada, enquanto em 2024 essa média foi de 9,7%. A BloombergNEF projeta que os cortes podem atingir 30% até 2030, uma trajetória que já força empreendedores a incluir essas perdas no planejamento de novos projetos.

O Custo Real do Desperdício

O impacto financeiro é devastador. O setor contabiliza R$ 1,7 bilhão em prejuízos, mas o Operador Nacional do Sistema (ONS) reconhece apenas R$ 1,1 bilhão. Quase metade dos impactos fica invisível na metodologia oficial, que desconsidera períodos sem envio de dados de irradiação solar e classifica cortes em blocos de meia hora, mesmo quando ocorrem por diferentes motivos dentro desse período.

Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), classifica os cortes de geração renovável como "talvez o maior desafio já enfrentado pelo setor de renováveis no Brasil". E ele tem razão. O problema não é apenas operacional, é sistêmico. Segundo análise da Absolar, cerca de 25% a 33% dos cortes acontecem por falta de linhas de transmissão, enquanto outros 25% se devem à falta de robustez da rede elétrica. Ou seja, metade do problema é pura infraestrutura física.

O descompasso entre a geração e a infraestrutura de rede é a raiz do problema. Nos próximos dez anos, o Brasil deve adicionar 76 GW em novas usinas renováveis, mas a expansão da rede de transmissão não segue o mesmo ritmo. Marina Azevedo, analista sênior da Wood Mackenzie, resume a situação com clareza: "O sistema elétrico brasileiro não conseguiu acompanhar a velocidade de expansão das energias renováveis". Mesmo com 11 GW de linhas de transmissão planejadas até 2029, o curtailment continuará crescendo, especialmente durante os horários de pico de geração solar, entre 8h e 17h.

As Agências Entram em Campo

Diante da gravidade do problema, as agências reguladoras brasileiras finalmente estão se movimentando. A ANEEL recebeu recentemente associações, bancos — incluindo BNDES, BNB, Bradesco, Itaú, Santander e BTG — e órgãos governamentais para debater a Consulta Pública 45/2019, que pode estabelecer um mecanismo de rateio dos efeitos dos cortes de geração. Durante a reunião, a agência se comprometeu a "aprofundar alternativas de curto prazo para reduzir as dificuldades financeiras de agentes setoriais".

Este compromisso é crucial. O ressarcimento integral pelos cortes não apenas reequilibraria o balanço financeiro das empresas, mas também restauraria a confiança necessária para novos investimentos. Vinicius Nunes, analista líder da BloombergNEF, alerta que "o setor enfrenta redução de investimentos e dificuldade de financiamento para novos projetos centralizados". Os cortes já precisam ser considerados em novos projetos e exigem dilatação da oferta de financiamento.

Paralelamente, a ANEEL está trabalhando na regulamentação de sistemas de armazenamento de energia através da Consulta Pública 39/2023, que recebeu 652 contribuições de 70 participantes. A agência planeja um percurso regulatório em três ciclos, que abordará desde conceitos básicos até modelos de negócio complexos, como o "empilhamento de receitas" (stacking revenues), que permite que um mesmo sistema de armazenamento seja remunerado por prestar diferentes serviços à rede.

O Conselho Nacional de Política Energética (CNP) já autorizou a inclusão de compensadores síncronos em subestações, equipamentos que ajudam a resolver questões de frequência, tensão e qualidade da energia. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta R$ 56 bilhões em investimentos para adicionar 15.000 novos quilômetros de linhas de transmissão, com entrada em operação prevista entre 2028 e 2030.

A Solução Está nas Baterias

Mas a expansão da transmissão, embora necessária, não será suficiente. A solução definitiva para o paradoxo energético brasileiro passa pelos sistemas de armazenamento de energia por baterias (BESS, na sigla em inglês). O armazenamento permite "guardar" o excesso de energia gerada nos horários de pico de sol e vento para injetá-la na rede quando a demanda é maior ou a geração é menor. Fernando Dorand, analista da Wood Mackenzie, é categórico: "O armazenamento não é mais uma opção. Será essencial para transformar energia que atualmente seria desperdiçada em receita através de arbitragem de preços e serviços de rede".

Os números comprovam o potencial explosivo deste mercado. Um estudo recente da Greener revela que a demanda por equipamentos BESS no Brasil cresceu 89% em 2024, com projeção de investimentos de R$ 23 bilhões até 2030. O país instalou 269 MWh em 2024, um crescimento de 29% em relação ao ano anterior, e já adicionou 167 MWh no primeiro semestre de 2025, atingindo 852 MWh de potência total instalada.

No contexto latino-americano, o mercado de armazenamento deve atingir 23 GW até 2034, com uma taxa de crescimento anual composta de 8%, segundo a Wood Mackenzie. O Chile está liderando o caminho, com políticas regulatórias que posicionaram o país como o mais avançado em armazenamento de energia, representando quase metade da capacidade total da região até 2034. O Chile serve como campo de testes, destacando os desafios e soluções disponíveis para países com alta penetração de geração renovável.

O Novo Mapa do Tesouro

Para empreendedores e investidores atentos, o problema do curtailment representa uma das maiores oportunidades de negócio da década no setor elétrico. Aqui estão os caminhos mais promissores:

1. Projetos Híbridos: O Novo Padrão

A tendência global e regional é a transição para projetos híbridos de solar + armazenamento, especialmente em mercados maduros como Brasil e Chile. O maior projeto solar e armazenamento da América Latina, desenvolvido pela ContourGlobal, possui capacidade de armazenamento de seis horas ao lado de 221 MW de capacidade de geração solar, demonstrando a viabilidade técnica e econômica desta solução.

Para novos empreendimentos, a hibridização não é mais opcional. Projetos que combinam geração e armazenamento conseguem maximizar receitas através de arbitragem de preços (comprar barato, vender caro), prestação de serviços ancilares à rede (controle de frequência, reserva de potência) e redução drástica do impacto do curtailment. O modelo permite que a mesma infraestrutura gere múltiplas fontes de receita, o famoso "empilhamento de receitas" que a ANEEL está regulamentando.

2. Agregação de Cargas: Hidrogênio Verde e Data Centers

Renata Carvalho, assessora da EPE, destaca que a agregação de grandes cargas próximas à geração pode contribuir significativamente para diminuir cortes por balanço energético. No Nordeste, há 18 projetos de hidrogênio verde que poderiam acrescentar uma carga de 23 GW até 2030 e de 44,3 GW até 2038. Projetos de data centers poderiam demandar 3 GW de capacidade adicional.

Para empreendedores, isso significa oportunidades em toda a cadeia: desenvolvimento de projetos de H2V, infraestrutura de data centers próximos à geração renovável, e serviços de conexão e integração entre geradores e grandes consumidores. A lógica é simples: consumir a energia onde ela é gerada elimina o problema de transmissão e transforma o curtailment em oportunidade de negócio.

3. Novos Mecanismos de Mercado

Donato Filho, CEO da Volt Robotics, propõe soluções inovadoras de mercado como preços negativos e leilões de curtailment. Preços negativos significam que, em momentos de excesso de geração, a energia teria valor negativo, incentivando consumidores a ajustarem seus horários de uso. Indústrias poderiam adaptar processos produtivos, produtores rurais poderiam irrigar e refrigerar no período mais barato, e consumidores residenciais poderiam usar ou armazenar energia nesse horário.

Leilões de curtailment, por sua vez, criariam um mercado onde há oferta de consumo ou corte alternativo de outros players. Imagine uma plataforma onde geradores que precisam reduzir produção possam negociar com consumidores dispostos a aumentar carga naquele momento. Para empreendedores de tecnologia, isso representa uma oportunidade de criar plataformas, algoritmos e serviços de agregação de demanda.

4. Armazenamento Distribuído: O Mercado de R$ 22,5 Bilhões

Segundo a Greener, a principal motivação para investir em armazenamento é a confiabilidade energética: evitar quedas de energia frequentes e prejuízos com interrupções prolongadas. Para empresas comerciais e industriais, sistemas de armazenamento garantem continuidade operacional, qualidade de energia e estabilidade da rede.

Este segmento representa um mercado de R$ 22,5 bilhões até 2030 apenas no Brasil. Para integradores, distribuidores e prestadores de serviços, as oportunidades incluem instalação de sistemas residenciais e comerciais, serviços de manutenção, monitoramento remoto, e desenvolvimento de soluções customizadas para diferentes perfis de consumo.

5. Vehicle-to-Grid (V2G): A Próxima Fronteira

Embora ainda necessite de regulação e incentivos, o conceito de carros elétricos atuando como baterias móveis representa uma solução de longo prazo com potencial transformador. Veículos carregariam durante o pico solar (quando a energia é abundante e barata) e devolveriam energia à rede em horários de pico de demanda (quando a energia é escassa e cara).

Para empreendedores visionários, este é o momento de desenvolver tecnologia, pilotos e modelos de negócio que estarão prontos quando a regulação amadurecer. O mercado de veículos elétricos está crescendo exponencialmente, e quem estiver posicionado na interseção entre mobilidade elétrica e gestão de energia terá vantagem competitiva significativa.

A Transição Já Começou

O mercado já está se adaptando à nova realidade. De janeiro a setembro de 2025, o país adicionou apenas 1,72 GW de capacidade solar de grande escala, comparado com 4,05 GW no mesmo período de 2024, uma redução de mais de 50%. A ANEEL projeta que a solar "centralizada" adicionará 3,49 GW no total de 2025, ante 5,58 GW instalados em 2024.

Esta contração não é necessariamente uma crise, mas um sinal de que o modelo atual atingiu seus limites estruturais. O mercado está se reinventando, migrando de projetos puramente solares para soluções híbridas, de geração centralizada para distribuída, de modelos simples de venda de energia para arranjos complexos de múltiplas receitas.

Enquanto isso, o aumento compensatório em geração térmica — de 907 MW em 2024 para 3,21 GW projetados em 2025 — indica uma mudança de estratégia energética, com maior ênfase em confiabilidade e estabilidade da rede. Esta mudança cria oportunidades para tecnologias que possam oferecer os mesmos benefícios de forma mais limpa e sustentável, como o armazenamento de energia.

O Momento de Agir é Agora

O Brasil tem uma escolha a fazer. Podemos continuar a expandir nossa geração renovável de forma descoordenada, aceitando o desperdício crescente como um efeito colateral inevitável. Ou podemos abraçar o armazenamento de energia como a solução estratégica que ele é, criando um sistema elétrico mais flexível, resiliente e eficiente.

A janela de oportunidade está aberta. Com R$ 23 bilhões em investimentos projetados, um mercado em crescimento explosivo de 89% ao ano, e uma regulação em desenvolvimento que pode definir as regras do jogo para a próxima década, o setor de armazenamento de energia representa uma das maiores oportunidades de negócio e impacto socioambiental do setor elétrico brasileiro.

A fala de Sumara Tigon, assessora executiva do ONS, durante o Greener Summit 2025, é um alerta contundente: "O modelo atual não é sustentável. Se nada for feito, nem mesmo a geração centralizada conseguirá equilibrar o sistema". Segundo ela, o problema não pode mais ser atribuído apenas à transmissão, tornando-se uma questão de energia e não apenas de confiabilidade.

A hora de agir é agora. O futuro do setor elétrico brasileiro depende de decisões que estão sendo tomadas neste momento, na ANEEL, no Ministério de Minas e Energia, e nas salas de reunião de investidores e empresas do setor. Quem se posicionar estrategicamente agora — seja desenvolvendo projetos híbridos, investindo em armazenamento, criando plataformas de agregação de demanda, ou inovando em modelos de negócio — estará à frente na próxima década.

O paradoxo energético brasileiro não é um problema insolúvel. É uma oportunidade disfarçada. A questão não é se vamos resolvê-lo, mas quem vai lucrar com a solução. E essa resposta está sendo escrita agora, por empreendedores, investidores e reguladores que entendem que a transição energética não é apenas sobre gerar energia limpa, mas sobre gerenciá-la de forma inteligente.

Quem esperar, ficará para trás. Quem agir, construirá o futuro.

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Daniel Pansarella

Executivo com vasta experiência no setor de energia solar, especializado em Tributação, logística, cadeia produtiva de equipamentos e desenvolvimento de negócios para equipamentos solares nos mercados brasileiro e latino-americano. Atualmente, atua como Public Affairs & Business Developer Latam na Trina Solar, uma das principais fabricantes de módulos fotovoltaicos, Trackers e Storage do mundo, e como Presidente do Conselho Fiscal da ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) e Conselheiro de empresas como Brasol (Siemens e Black Rock), Greener e Pacto Energia.

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