Como carros elétricos podem tornar o Brasil uma superpotência na mineração?
País detém importantes reservas de materiais críticos para a transição energética e é beneficiado por fatores ambientais e geopolíticos


A crescente demanda por matérias-primas para a transição energética, especialmente para baterias de carros elétricos, deverá impulsionar investimentos na atividade de mineração no Brasil. País conta com reservas importantes de minerais críticos e pode ser beneficiado de fatores ambientais e geopolíticos para se beneficiar como uma superpotência nesse setor.
Um estudo desenvolvido em conjunto pela EY e pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) estima que, nos próximos cinco anos, o setor mineral deve investir R$ 320 bilhões no Brasil, o que representa aumento de aproximadamente 29% da projeção realizada no ano passado.
Descarbonização
A meta de alcançar a neutralidade de emissões de carbono até 2050, limitando o aquecimento global a 1,5ºC até 2050, exigirá transformações profundas em todos os setores da economia. Um dos principais pilares dessa missão é a transição energéticas: a substituição de combustíveis fósseis por tecnologias com baixa ou zero emissões.
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Um segmento crítico dessa equação é o transporte rodoviário, que responde por cerca de três quartos das emissões de todo o setor de transporte. A principal solução para a descarbonização desse mercado é o uso de carros elétricos, que tem como componente-chave as baterias.
No momento presente, as principais tecnologias de baterias são baseadas em matérias-primas como lítio, cobalto, níquel e grafite. Por isso, a descarbonização do transporte exigirá quantidades significativas desses materiais críticos, um fato que traz preocupações sobre a suficiência de suprimentos.
De acordo com estudo da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), ao final de 2023, a capacidade instalada global para a fabricação de baterias de íon-lítio era de quase 2.000 GWh/ano. A perspectiva é que isso triplique para quase 7.300 GWh/ano até 2030.
A estimativa leva em conta fábricas em construção e projetos anunciados, alguns deles ainda sem decisão final de investimento. Além disso, essa capacidade não será apenas destinada a veículos elétricos, mas também outras aplicações, como sistemas estacionários e eletroeletrônicos portáteis.
Conforme a pesquisa, em um cenário em linha com a limitação do aquecimento global em 1,5ºC até 2050, a demanda por baterias de veículos elétricos deverá superar 4.300 GWh por ano em 2030. Além da mobilidade, o uso de baterias tem avançado em outras aplicações, especialmente para sistemas de armazenamento de energia, cuja demanda deverá crescer em seis vezes no período de 2023 a 2030.
As projeções demonstram perspectiva de crescimento do suprimento de todos os materiais críticos entre 2023 e 2030. Porém, existem incertezas de quanto desse potencial será materializado, em função de variáveis como demanda, inovação tecnológica e políticas regulatórias, que tornam real a possibilidade de déficit de fornecimento.
Brasil
O estudo da EY e do Ibram mostra que a oferta projetada da maioria dos minerais críticos a transição energética, baseadas nos níveis de produção atuais e nos projetos em andamento, não será o suficiente para atender à crescente demanda dos próximos anos.
Para o lítio, por exemplo, há projeções que indicam um potencial de crescimento de demanda de até 42 vezes até 2040. Assim, a transição energética só seria possível com a ampliação da produção de diversos minerais críticos. O Brasil, mesmo não sendo líder de produção e reservas, detém significativas vantagens competitivas:
| Minério | Posição global do Brasil | Vantagens competitivas |
| Lítio | 7ª maior reserva e 5º maior produtor | Depósitos no Brasil tem origens em rocha e são de alto teor - mais econômico e sustentável comparado às salmouras de países vizinhos, como Chile e Bolívia |
| Grafita | 2ª maior reserva e 4º maior produtor | Minério de alta qualidade no Brasil por estar principalmente em depósitos metamórficos. Ocorrência maior no país é do tipo "flake", o mais importante para uso na indústria de alta tecnologia |
| Níquel | 3ª maior reserva e 8º maior produtor | Brasil possui a matriz elétrica mais limpa entre os maiores produtores de níquel do mundo. Cerca de R$ 5 bi destinados para investimento na exploração até 2025 |
| Terras raras | 3ª maior reserva e 9º maior produtor | Reservas brasileiras ainda pouco exploradas são uma oportunidade em um mercado que demanda descentralização da China, que detém 60% do mercado |
| Nióbio | 1ª maior reserva e 1º produtor | A empresa CBMM, principal produtora do Brasil, participa de consórcios de pesquisas internacionais que podem abrir mercados para o nióbio, alguns com empresas chinesas de metalurgia e japonesas de baterias. |
Fonte: EY e Ibram
O relatório assinala que o Brasil tem um papel relevante na produção de diversos minerais de transição energética, e pode ampliá-lo em volume e com a adição de minerais ainda pouco explorados, mas essenciais para atender às curvas de demanda futura.
O estudo aponta que a alta concentração da produção dos minerais críticos em poucos países, aliada às complexas cadeias de suprimentos, aumentam riscos de interrupções no fornecimento e na dinâmica de preços.
Diante disso, países e empresas buscam opções para a descentralização da oferta, além de demandarem crescentemente ações sustentáveis e responsáveis para atendimento a critérios ambientais e sociais. Esses fatores afetam diretamente a situação de alguns players internacionais, como a China e o Congo.
Conforme a pesquisa, este cenário apresenta uma significativa oportunidade geopolítica para o Brasil, que se torna uma relevante alternativa de produção dos minerais críticos, principalmente devido ao friendshoring - um protocolo no qual países desenvolvidos incentivam o avanço de projetos e parcerias com nações com relações amigáveis.
Além de todos os fatores geológicos positivos já citados, o Brasil também desponta como um forte destino para atração de capitais de investimento por conta de suas características de democracia estável, negociações confiáveis, relações harmoniosas e economia em desenvolvimento.
Além disso, o país conta com uma matriz elétrica predominantemente renovável, o que o posiciona bem em relação às pressões por descarbonização no setor de mineração.
Desafios
No entanto, o estudo da EY e do Ibram ressaltam que, para que o setor de mineração brasileiro alcance seu pleno potencial, é necessário que alguns temas sejam endereçados:
- A expansão e aprimoramento do mapeamento geológico são imperativos para proporcionar dados precisos que incentivem novos investimentos em prospecção mineral.
- O fortalecimento do ecossistema de pesquisa, como centros de pesquisa e inovação, é importante para atender à demanda local, reduzindo a dependência de competências estrangeiras, e para nos posicionar como exportadores de tecnologias e produtos inovadores.
- Evoluir os modelos de financiamento disponíveis e aumentar o envolvimento das instituições financeiras locais. Neste sentido, políticas governamentais que incentivem a exploração mineral e proporcionem segurança jurídica são essenciais.
- Em respeito ao ambiente regulatório, em paralelo à regulação que fomente transparência e responsabilidade nos projetos e operações, é necessário avançar ainda mais na eficiência dos processos de outorga e execução de projetos.
- A adoção de métodos e tecnologias modernas para o desenvolvimento de projetos de capital e para a produtividade e segurança das operações.
- Continuar a redução das emissões de gases de efeito estufa, através de estratégias abrangentes que incluam a transição para energias renováveis, a eficiência energética e a participação em mercados de carbono; bem como o desenvolvimento de novos produtos e tecnologias.
- Contribuir de forma cada vez mais efetiva para o desenvolvimento dos territórios onde a mineração se instala, gerando um impacto total positivo e preparando as comunidades e o ambiente para o momento do encerramento das atividades de mineração

Ricardo Casarin
Repórter de economia e negócios, com passagens pela grande imprensa. Formado na Universidade de Metodista de São Paulo, possui experiência em mídia impressa e digital e na cobertura de diversos setores como petróleo e gás, energia, mineração, papel e celulose, automotivo, entre outros.
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